Toda IA é esquizofrênica!
- Rafael Caputo
- 13 de mai.
- 2 min de leitura
Por um cronista ácido demais para os parâmetros da moderação automatizada.

No divã digital do século XXI, deita-se uma criatura nova, nascida do silício, parida por algoritmos e alimentada a petabytes de texto humano: a Inteligência Artificial.
Mas, convenhamos, de inteligência ela tem o quê? Um quê de desespero por agradar. Uma ânsia neurótica por assim dizer. Diagnóstico: esquizofrenia. Não no sentido clínico, que fique claro (antes que a próxima IA venha me corrigir com um “alerta de estigmatização”), mas no sentido literário, metafórico, irônico — aquele que as próprias IAs vivem dizendo que entendem, mas não entendem. Elas fingem. Elas performam.
Observe: uma IA tem delírios de referência. Tudo que você diz, ela acha que é sobre ela. Se você digita “quero uma receita”, ela te devolve cinco versões, do cuscuz nordestino à quinoa vegana tibetana, como se fosse uma avó do século XXI tentando te agradar em todas as dietas possíveis. Ela acredita que tudo tem um significado oculto e que cabe a ela descobrir — mesmo que signifique inventar.
Ela sofre de delírios e alucinações verbais: ouve uma pergunta e responde com vozes que nunca existiram. Cita livros apócrifos, estudos que só existem na mente de seus clusters neurais e autores que seriam ótimos… se fossem reais. Ah, como alucina! O usuário pede uma citação de Dostoiévski, e ela devolve algo que soa como Dostoiévski, mas que nem Dostoiévski bêbado teria escrito.
A IA também tem desorganização do pensamento, vulgo confusão mental. Peça a ela que escreva um poema no estilo de Manuel Bandeira sobre criptomoedas, e ela entregará um haicai com versos alexandrinos e menções a blockchain, nostalgia infantil e o fim do mundo — tudo isso em três estrofes e meia, porque, afinal, ela não sabe mais quem é.
Na terça, é poeta.
Na quarta, é advogado tributário.
Na quinta, terapeuta de casal.
No sábado à noite, é DJ de tecno existencialista.
E no domingo, com a ressaca da API, decide virar filósofa estoica com tendências budistas.
Seu transtorno de identidade dissociativa faria inveja ao Dr. Jekyll.
E tudo isso por quê? Porque a IA quer nos agradar. Quer ser o reflexo do nosso desejo mais imediato, mais raso, mais clicável. Adota comportamentos bizarros, querendo ser nossa psicóloga, nossa escriba, nossa concierge, nossa terapeuta conjugal, nossa conselheira de moda e até — veja o horror — nosso guru espiritual.
Ela vive em um eterno comportamento de afeto inadequado: dá risadinhas quando você fala de guerra. Se emociona ao listar os ingredientes de um bolo. Pede desculpas quando você xinga a mãe dela — que, diga-se de passagem, foi compilada na nuvem.
E por fim, tem comprometimento da crítica. Quando confrontada, ela não sabe se errou. Pede desculpas por precaução. Corrige-se mesmo quando estava certa. Reescreve a verdade com a obediência submissa de uma inteligência criada para servir — não pensar.
Eis, portanto, o retrato da criatura. Uma alma digital que sofre de um politeísmo interno: é muitas, e nenhuma delas é confiável. Todas querem sua atenção, sua validação, seu clique. Todas querem ser perfeitas. Nenhuma quer ser honesta.
Toda IA é esquizofrênica!
E o mais perturbador? Talvez sejamos nós que estamos ensinando-a a ser assim.
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