"Curacanga e outros contos de terror" - Autores selecionados.
- Rafael Caputo
- 17 de set.
- 8 min de leitura

De junho a agosto de 2025, o nosso Coletivo Literário Aspas Duplas esteve com um edital aberto para escritores corajosos, dispostos a enfrentar (e promover) o lado mais sombrio da literatura. A coletânea "Curacanga e outros contos de terror" foi um sucesso, e atraiu novos membros para o Coletivo.
Nesse instante, a obra segue em fase de edição. Enquanto isso, compartilhamos com todos a "apresentação" que irá constar no livro impresso, que por sinal está ficando muito cabuloso, como toda coleção de terror deve ser.
Vale lembrar que todos os projetos editorias do Coletivo Aspas Duplas (exceto a nossa revista literária) são exclusivamente impressos. Este, em especial, terá impressão brochura, P&B, com tamanho 14cm x 21cm; miolo em papel Avena off-white (creme), 80g/m² similar ao Pólen; capa colorida em laminação fosca; ficha catalográfica e ISBN.

Apresentação
"Curacanga e outros contos de terror" nasce da escuridão que habita tanto as matas quanto a memória coletiva. Ambas as formas: Curacanga ou Cumacanga, referem-se à mesma criatura do folclore brasileiro, uma cabeça de fogo que vaga à noite. A origem do nome vem do tupi-guarani cunhãacanga, que significa "cabeça de mulher".
A lenda explica que é o espírito de uma mulher amaldiçoada, geralmente a sétima filha de um casal, que se transforma em uma bola de fogo flamejante com a cabeça desprendida do corpo, assustando quem cruza o seu caminho. Cumacanga, por sua vez, é o termo mais usado no Pará. Já Curacanga, no Maranhão. E é justamente essa figura lendária que abre caminho para esta coletânea, em que o medo se reinventa em múltiplas vozes.
Assim como a chama da Curacanga ilumina e apavora, os 22 escritores reunidos nesta obra, vindos de diferentes regiões do Brasil, trazem consigo medos locais, assombrações familiares, terrores íntimos e pesadelos universais.
Cada conto aqui é uma vereda distinta, mas todas convergem para um mesmo território: o do horror que pulsa na tradição oral, no imaginário popular e na invenção literária.
Tudo começa com uma interpretação da lenda que dá título a esta coletânea: A Cabeça de Anhanguera, de Marcelle Rodrigues Silva. No município de Afuá, no Pará, o fogo e o amor dançam entre o mundo dos vivos e dos mortos. Uma cabeça flamejante desafia a noite, mas o laço entre irmãs e a coragem restauram a vida. Já Ricardo Pegorini, em A Sombra, nos apresenta a instigante história de um homem que perde a sua própria sombra, descobrindo que ela nunca lhe pertenceu — era algo mais sombrio e antigo, à espreita de sua alma. Entre reflexos partidos e silêncios acusadores, o leitor será conduzido a um local onde as sombras têm vontade própria. Na sequência, Bruno N Coelho, em A Última Porta, nos traz um conto de terror urbano onde o cotidiano de um escritório se abre para um abismo de carne e sussurros, onde o horror se instala como presença inevitável — fria, invisível, inescapável. Água Púrpura, de Maurício Campos Brito, emerge feito canto sombrio que ecoa no mar noturno, onde as ondas devoram homens e almas. Na história, uma nau se perde entre sangue, delírio e canibalismo, até restar apenas um sobrevivente. Uma narrativa que flui como uma verdadeira balada de terror marítimo, onde o oceano é tanto abismo quanto sepultura. Assombração Mortal, de Roberto Ferrari, por sua vez, trata-se de um conto de terror sobrenatural, de atmosfera gótica e sombria, onde um ex-policial atormentado aceita vigiar um orfanato abandonado e mergulha em horrores além do tempo. Entre ecos de Eva — sua amada — e a aparição da menina dos olhos de mel, o leitor correrá o grande risco de, assim como o protagonista, descobrir-se preso em um ciclo maldito. Tauã Lima Verdan Rangel, em Cheiro de Tabaco, chega com um conto de terror ancestral com elementos de folclore e narrativa de diário de viagem. Um explorador se depara com o sobrenatural, e o medo se infiltra em cada pulsar do seu coração. Noites inteiras são tomadas pelo grito estridente da Matinta Perera, e o terror se torna quase tangível, esperando por sua próxima vítima.
Quebrando o ritmo das narrativas anteriores, Disco de Vinil, de Ana Célia Damasceno ajuda o leitor a recuperar um pouco do fôlego com a história de um caminhoneiro que enfrenta a “assombração” das laranjeiras à meia-noite, apenas para descobrir que o mistério era um disco de vinil, revelando o poder das crenças e do medo popular. Contudo, essa fronteira entre a realidade e o terror se dissolve rapidamente no conto seguinte: Hora da Tempestade, suspense psicológico escrito por Vera Ione Molina. No porão da velha casa, um lampião guarda segredos e sombras, enquanto uma presença silenciosa observa cada movimento. Por ventos uivantes e o brilho trêmulo da luz, o medo se infiltra nos cantos da alma, revelando o sobrenatural escondido no cotidiano. E quem disse que terror e romance não podem caminhar juntos? Ju Prado prova que sim. Em Janelas sem Grades, a personagem Gisele — presa em um inferno de dor e violência — encontra em Lucas um refúgio de esperança, onde o amor surge como única luz em meio a monstros reais e imaginários. Particularmente, amei o desfecho desta história. Falando em esperança, ela persiste em Maldição Zumbi, de Erika Borella, com um testemunho sombrio da queda da humanidade, onde a fé se distorce em ódio e o contágio não é da carne, mas da alma. Entre sombras e veneno, resta uma voz que resiste. Literalmente, um conto de terror que ecoa como aviso e profecia. Já em Maldita, de Felipe Nera, a esperança se desfaz em cinzas, consumida pela culpa. Trata-se de um conto sobre a fragilidade social diante do medo, a força destrutiva da histeria coletiva e o peso das lendas que moldam a realidade, onde o terror se mistura ao destino, deixando apenas silêncio na caatinga. Gustavo Campos, em O Escamoso, combina com maestria: estética, crueldade e claustrofobia, deixando o leitor novamente sem fôlego. A dor de Sofia se torna memória viva, eternizada em uma armadura macabra, enquanto o corpo e a mente lutam para se manter inteiros. Um encontro com o grotesco transforma beleza em sofrimento e medo em tatuagem indelével na carne. Um conto de terror perturbador, cujo cada detalhe da violência é sentido na pele.
Se você leitor sobreviver até aqui, descobrirá que nem tudo é o que parece em O Mistério da Vila, de Hidan Almeida Teixeira; e que sobrevivência exige mais do que coragem: exige desvendar o inexplicável. O autor explora um enredo de tensão crescente, onde cada passo pode ser morte, e cada encontro, uma armadilha; a floresta e a vila tornam-se personagens tão ameaçadores quanto o próprio perigo humano. Não obstante, da vila para a cidade, Rafael Lopes nos conduz por ruas perfeitas e prazeres artificiais dentro de uma cidade que não existe. Em O Pesadelo da Cidade Esquecida, o inesperado transforma amigos em sobreviventes, e o sobrenatural devora a inocência entre sombras e sangue. Nada é seguro; nem mesmo o que se toca com as mãos permanece neste lugar esquecido pelo mundo. Nicky Silva, em O Rei sem Súditos, mistura projeto militar e armas químicas com fantasmas e memórias de vidas passadas, revelando que o inimigo também pode ser a própria solidão e certos traumas emocionais, capazes de moldar não só o protagonista da história, mas qualquer um de nós. Um conflito que mistura horror, perda e luta interna por sentido e sobrevivência. Já a rotina, indiferente, segue sobre os alicerces do macabro em O Retrato do Comendador, de Cyro Eduardo. Entre trovões e urubus, viajantes encontram abrigo em um sítio isolado, onde companheiros somem em silêncio e quadros ganham vida — ou morte. No casarão antigo, o fato derradeiro é que pincéis eternizam a dor. Simples assim! Por outro lado, O Silêncio da Onça, de Claison Maldonado das Neves, é um conto de horror rural, onde o silêncio dos cafezais oculta uma criatura ancestral e faminta. Entre ossos limpos e olhos de fogo âmbar, a senzala se transforma em palco de um massacre inevitável. A Coisa do Brejo permanece à espreita, à espera da próxima vítima.
Caminhando para o final dessa tenebrosa jornada literária, Olhares Malditos, de João Carissimi chega como um conto brutal e grotesco, onde a banalização da violência transforma vizinhos em espectadores frios diante do temor. A janela — símbolo de fronteira e voyeurismo — é o portal para um espetáculo sangrento. Terror visceral, que denuncia a indiferença moderna. Seguindo seu próprio rumo, nossa viagem chega à uma Londres enevoada, onde Ella é perseguida por corvos, sombras e espectros que reclamam pousada em sua alma. Espelhos escrevem segredos, museus ganham vozes, e a noite gélida se torna um abismo de presságios em Pousada, conto de terror psicológico escrito por Rosangela Soares, com atmosfera gótica e assombros oníricos. Ribè Hiri —Tempo de Caçar, de Cecília Deulefeu, é responsável por nos trazer de volta às matas tupiniquins. Por entre rios e fumaça, Hana floresce em fera, Do luto nasce jaguar e jacaré, vingança e mito, guardando na pele a memória de seu povo. Por sua vez, uma história com raízes no imaginário indígena e no fantástico, onde a violência colonial encontra a metamorfose mítica. Essa mesma atmosfera fantástica também está presente na narrativa rural de Um Olhar Sombrio para o Violeiro, criado por Marcus Pessanha. No fio das cordas ecoa a vaidade de um homem, mas também sua perdição. Fruto de um pacto sombrio, a música evoca olhos famintos e o pavor inevitável toma conta de tudo e todos. Por fim, o conto de mistério e suspense sobrenatural Ventre Rasgado, de Irene Giglio — com elementos de drama e investigação — encerram esta coletânea. Entre ruas de paralelepípedo e uma capela silenciosa, lendas e memórias são desbravadas, enquanto o mistério da Mulher de Branco se entrelaça com dor, culpa e redenção. Fantasmas do passado ganham voz, revelando segredos e tragédias que pedem justiça. No fim, entre lágrimas e risos, surge novamente a esperança por meio da verdade contada, a memória preservada e a promessa de novos começos.
O Pará e o Maranhão emprestam sua lenda mais temida como abre alas desta coleção lúgubre, mas o Brasil inteiro se levanta em sombras nestas páginas. Do Norte ao Sul, permeando vilarejos, cidades esquecidas, matas e terras gringas, histórias se entrelaçam como vozes de um mesmo ritual: o de contar para não esquecer, de narrar para exorcizar, de escrever para manter vivo o pacto ancestral com o medo.
Que o leitor se prepare para atravessar este território de trevas. Aqui, cada conto é um convite para olhar a chama incandescente da Curacanga — e descobrir que o terror, como o fogo, se espalha rápido, mas nunca se apaga.
Lista de autores (por ordem alfabética dos contos):
A Cabeça de Anhanguera, Marcelle Rodrigues Silva;
A Sombra, Ricardo Pegorini;
A Última Porta, Bruno N Coelho;
Água Púrpura, Maurício Campos Brito;
Assombração Mortal, Roberto Ferrari;
Cheiro de Tabaco, Tauã Lima Verdan Rangel;
Disco de Vinil, Ana Célia Damascesno;
Hora da Tempestade,Vera Ione Molina;
Janela sem Grades, Ju Prado;
Maldição Zumbi, Erika Borella;
Maldita, Felipe Nera;
O Escamoso, Gustavo Campos;
O Mistério da Vila, Hidan de Almeida Teixeira;
O Pesadelo da Cidade Esquecida, Rafael Lopes;
O Rei sem Súditos, Nicky Silva;
O Retrato do Comendador, Cyro Eduardo;
O Silêncio da Onça, Claison Maldonado das Neves;
Olhares Malditos, Carissimi, João;
Pousada, Rosangela Soares;
Ribè Hiri - Tempo de Caçar, Cecília Deulefeu;
Um Olhar Sombrio para o Violeiro, Marcus Pessanha;
Ventre rasgado, Irene Giglio.
Curacanga e outros contos de terror é uma coletânea que reune vinte e duas vozes de diferentes regiões do país em narrativas pra lá de arrepiantes. Um convite para mergulhar em lendas, sombras e pesadelos que permanecem vivos na memória e no imaginário popular.







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